Véspera

No coração de Tonico, dividido entre odiar e amar desde muito cedo, o álcool tinha poderes milagrosos. Prometeu beber quando crescesse.

Se ele fosse sempre assim, ela o amaria.

Quem pode reduzir a uma palavra

o que a sincronicidade engendrou?

Queria, por uma fração mínima de segundo, ver Veneza desejar alguma coisa que só ela tivesse.

Mandavam nas alçadas corriqueiras, desde que jamais se esquecessem de que não mandavam na própria vida. Obedeciam, mas decidiam o que seria feito no almoço.

O tempo, inabalável na mansa malha dos dias e das noites, nunca ofega. Inspira e expira o ventre onde tudo se cria. A mais sutil mudança na pedra, o deslocamento da menor partícula de ar divisível, o mínimo escorrer das águas, a insignificante transformação humana se dão nas tramas airadas do tempo. O tempo flutua invisível e em espesso presente. Nada apodrece sem ele. Nada floresce. Nada se torna amável. Nenhum ódio viceja. Nenhuma umidade seca. Nenhuma sede cede. As tempestades não inquietam nele ventos, as avalanches não podem soterrá-lo, a perplexidade não o paralisa, o mal não o ameaça e o bem não faz com que se demore. Mais eis que um acontecimento, um único acontecimento, captura o tempo e o aprisiona.

Eles eram tão jovens para se calar! Gritassem a cisma de um e a certeza do outro! Tivessem posto para fora, impediriam os tártaros. Mas não. Calaram-se.

Quatrocentos quilômetros não era tanta distância assim. Longe, de verdade, era o desprezo.

Depois, deu à mãe um beijo demorado na face como um acerto de contas.

Usava seu melhor vestido, não o de que ela mais gostava, mas o das ocasiões especiais.