Em meados dos anos 80, autores como o queniano Ngũgĩ wa Thiong'o que, passando mui ao largo das falácias eufóricas de um Francis Fukuyama, colocava as questões da África em termos bem precisos. Abdicava de pensar nos conflitos do continente como uma questão de tribos, de um emaranhado e discutia os problemas locais em termos dos efeitos da colonização: «O estudo das realidades africanas tem sido há tempos tomado em termos de tribos. O que quer que aconteça no Quênia, no Malawi é por causa da tribo A contra a tribo B. (…) Minha abordagem será diferente. Eu olharei para as realidades africanas na medida em que elas são afetadas pelo grande confronto entre duas forças antagônicas na África de hoje: uma tradição imperialista de um lado, e uma tradição de resistência, do outro.» (Thiong'o, Decolonising the Mind. The Politics of Language in African Literature. Nairobi: East Africa Educational Publishers, 1986:1–2) Thing'o reivindicava o uso das línguas nativas nas diversas literaturas africanas e denunciava a violência colonial nas escolas, que impunham a língua do colonizador. Expunha assim as profundas marcas do colonialismo numa sociedade recém-liberta do jugo britânico. Compreender que era na escola — e na violência ideológica nela perpetrada — que a mente era colonizada foi, a meu ver, um dos grandes achados do autor. Pois foi justamente essa a trilha tomada por pesquisadoras como Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Lúcia Maria Assunção Barbosa que, com outros pesquisadores, capitanearam o Seminário de Estudos: o pensamento negro em educação no Brasil — expressões do movimento negro, ocorrido entre os dias 5 e 9 de junho de 1995, na Universidade Federal de São Carlos. O objeto era, nas palavras das organizadoras, fazer com que as relações interétnicas, cuja reflexão era trazida pelo Movimento Negro pudesse cada vez mais «influir nos conteúdos e processo pedagógicos escolares». Lançando mão de autores então pouco conhecidos e não inéditos no Brasil como o martinicano Frantz Fanon, ao lado de autores nacionais como Paulo Freire, estavam lançadas as bases de mais um dos livros-chave da primeira etapa da editora: este O Pensamento Negro em Educação no Brasil. Expressões do Movimento Negro, originalmente lançado em 1997 e que nossa editora, no ano de seu aniversário orgulhosamente reedita. O livro é pois, parte de um momento fértil não apenas da história da EdUFSCar como das ideias no Brasil. Surgiu no contexto do também recém-criado Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFSCar e foi parte importante do que seriam os avanços nas políticas de inclusão no sistema educacional brasileiro nos anos vindouros. A melhor homenagem que a editora poderia prestar ao trabalho vanguardista das autoras e autores da obra era reeditá-la. Pois eis aqui o livro, incorporado a uma coleção que o próprio pensamento do NEAB e a participação de Petronilha no Conselho Editorial inspiraram, a coleção África e Diáspora. Conta em sua capa com a imagem do pensador-símbolo do núcleo: o tehokwe, do povo do nordeste de Angola, noroeste da Zâmbia e sudoeste do Congo. (Wilson Alves-Bezerra)